PROVA DE APTIDÃO PROFISSIONAL

“Cristo Recrucificado” de Nikos kazantzaki, estreia dia 29 de junho, às 21h30, no Teatro Municipal Mirita Casimiro.

Esta peça do Teatro Experimental de Cascais, conta com atores convidados, entre eles Ruy de Carvalho, e com os alunos finalistas da Escola Profissional de Teatro de Cascais que apresentam a sua Prova de Aptidão Profissional.

Sinopse

Considerado um dos escritores gregos mais importantes do século XX, Nikos Kazantzakis nasceu em 1883 na ilha de Creta (ainda sob o domínio turco), e faleceu de leucemia na Alemanha em Outubro de 1957; finalizou o curso de Direito na Universidade de Atenas e estudou Filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris. Tendo vivido uma boa parte de sua vida fora da Grécia, Katantzakis escreveu ensaios filosóficos, poemas, peças de teatro, livros de viagem e vários romances, entre os quais se destacam:  Vida e proezas de Aléxis Zorbás (1946), que deu origem ao famoso filme Zorba, o Grego (1964); A Última Tentação de Cristo (1955), adaptado ao cinema por Martin Scorsese (1988); e Cristo Recrucificado (1954).

 

A acção de Cristo Recrucificado decorre em 1922-23 na região da Anatólia, na aldeia Grega de Licovrissi (local inventado pelo autor), a qual está sob o domínio Turco desde o armistício da Primeira Grande Guerra. Nesta comunidade cristã ortodoxa, a cada sete anos, cabe ao Conselho dos Notáveis designar os habitantes que irão encarnar as figuras bíblicas da Paixão de Cristo durante a Semana Santa. Por coincidência ou predestinação, assim que os encarregam de representar estes papéis, o pastor Manólios (Cristo), o taberneiro Kostantis (Tiago), o almocreve Yannakos (Pedro) e o jovem proprietário Michelis (João) são confrontados com uma multidão de refugiados Gregos, esfomeados e doentes, que tendo sido expulsos da sua aldeia pelos Turcos, caminham há mais de três meses em busca de hospitalidade e auxílio humanitário. Com a chegada dos refugiados, a aldeia irá dividir-se em dois campos opostos de acção ética: a de uma “moral fechada” ou “religião estática”, convencional; e a de uma “ética aberta”, ou  experiência mística “dinâmica”, revolucionária.

 

Em França, o romance de Kazantzakis foi imediatamente adaptado ao cinema com o título Celui qui doit mourrir (Aquele que deve morrer), realizado por Jules Dassin em 1957; e pouco depois ao teatro, numa versão da autoria de François Daviel publicada no Avant-Scène em 1962. Carlos Avilez foi convidado por Amélia Rey-Colaço a encenar essa adaptação no Teatro Nacional em 1968, mas a realização da peça não foi autorizada pela censura. Cinquenta anos depois, no contexto das vagas de migração globais, em que a cada minuto vinte-e-quatro seres humanos estão a ser violentamente desalojados (por razões políticas, religiosas, económicas e ambientais), a obra de Kazantzakis adquire uma actualidade premente.

 

Na nova adaptação do romance ao teatro que agora apresentamos, optei não só por retomar episódios cruciais previamente omitidos na versão francesa, mas sobretudo por destacar e dar visibilidade a personagens femininas cujas acções na esfera doméstica e social (ou manifesta falta delas) tinham sido abreviadas ou até mesmo esquecidas. Neste sentido, é importante verificar como Kazantzakis denuncia o medo que atravessa e envenena as relações humanas na esfera doméstica, enquanto motor secreto do autoritarismo característico das sociedades patriarcais.

 

Com efeito, embora nos fale de experiências etnográficas específicas a um determinado contexto social, Cristo Recrucificado adopta uma postura universalista para abordar a questão dos migrantes e refugiados, em que a migração forçada de seres humanos é retratada como o resultado de interesses socioeconómicos e políticos à escala global. Deste modo, o texto oferece uma reflexão ética extremamente actual sobre a corrupção e a manipulação social exercida por líderes políticos populistas e religiosos fanáticos, assim como uma reflexão sobre os conceitos filosóficos e práticas existenciais de identidade, alteridade e empatia.

 

Influenciado pela filosofia vitalista de Henri Bergson, cujas palestras frequentou em Paris, nesta sua obra Kazantzakis sugere que  matéria e espírito são indistintos; e que o conhecimento tanto pode ser possibilitado pela inteligência como através da intuição. Uma intuição que pressupõe uma afinidade com a totalidade de tudo o que vive e portanto dá lugar à experiência mística, cujo critério distintivo não é nem contemplação nem êxtase, mas sim acção atravessada pelo élan vital original, pelo élan do amor.

 

Graça P. Corrêa

Junho 2018